sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Sebos e alfarrabistas

No Brasil sebos, em Portugal alfarrabistas*. Passei por uma feira de usados e lá encontrei uma promoção muito boa: pegar 10 livros e pagar o correspondente a mais ou menos 13 reais. Garimpando, garimpando, encontrei um livro de poemas de Antônio Cícero, nascido no Rio em 45, gravado por alguns famosos. Sua letra Inverno (aquela...no dia em que fui mais feliz eu vi um avião...) é perfeita no trecho "que um dia o céu uniu-se à terra num instante por nós dois" (no yang masculino e yin feminino, da chuva que vem do céu pra fecundar a terra etc.). Escolhi o texto que dá nome ao livro pra deixar aqui:

Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que pássaros sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema:
para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

___________________________________________________
*A palavra alfarrábio significaria "livro velho e de leitura enfadonha, cartapácio, e daqui alfarrabista, "coleccionador ou vendedor de alfarrábios, o que manuseia alfarrábios, caturra" (Dicionário da Língua Portuguesa, especialmente dos períodos medieval e clássico, Rio de Janeiro, 1º volume - único publicado -, 1950-1954).

Nenhum comentário: