"As palavras têm o seu conceito e sua carga emotiva. Denotação, conotação - sabemo-lo desde a escola. Mas no que nem sempre pensamos é no mistério irrecuperável do que em emoção essas palavras foram no passado. Serão elas então legíveis? Toma três palavras simples como `pão, morte e amor`. No nosso uso cotidiano esse mistério é invisível. Mas que a sensibilidade se nos abra e elas abrirão em emoção inexplicável. E é desse mistério que eu falo para o tempo que passou. A `morte` terá uma ressonância identificável pelo que rodeou e condicionou e existiu em ritual e crenças. Mas o `pão`? Ou mesmo o `amor` se não foi uma invenção ocidental? Diz a palavra `pão` e tenta saber a névoa emotiva que a envolve. Símbolo do teu sustento, símbolo centralizador da tua mesa e a família à volta dela, calor do lar, paz doméstica, infância talvez, amor maternal, aroma a repouso, cheiro honesto, oblíquo sinal litúrgico e mais e mais. Tudo isso aflui indiscernivelmente à simples palavra `pão`. Que afluiria há dois, três séculos, há mil anos? E daqui aos mesmos tempos?
Toda a palavra é um repositório do que em nós ela foi despertando. E em cada dia a vamos ampliando ou reduzindo. Até que fique ininteligível e se recolha a um dicionário de arcaísmos. Mas a mais simples frase tem normalmente duas camadas de valores, a do quotidianismo asfaltado e a dos ecos aí inaudíveis e que uma atenção poética desperta. Com os da primeira comerciamos com homens da praça pública. Com os da segunda entendemo-nos com o que resta de Deus".
Fonte:
Ferreira, Vergílio (2001). Escrever. Edição de Helder Godinho. Bertrand Editora, Chiado.
5 comentários:
Achei que nao ia atualizar mais!!! beijos e saudades
Oi Ju, achei que ficaria ruim pra vc entrar. Como tá o trabalho em novas terras? Fiquei uma semana sem internet em casa. Entro melhor pra a gente colocar o papo em dia. Saudades! Bjo grande.
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