quinta-feira, 28 de junho de 2007

O mundo nos limites do pensar e sentir da língua

Depois de ler que "Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar…" veio a inquietação pelo autor português Vergílio Ferreira. Encontrei um livro chamado Escrever, uma das duas obras que deixou por publicar com textos que nem careciam de serem finalizados. É um livro de pensamentos. O verbete que escolhi deixar por aqui fala sobre a elasticidade da palavra como registro do tempo.

"As palavras têm o seu conceito e sua carga emotiva. Denotação, conotação - sabemo-lo desde a escola. Mas no que nem sempre pensamos é no mistério irrecuperável do que em emoção essas palavras foram no passado. Serão elas então legíveis? Toma três palavras simples como `pão, morte e amor`. No nosso uso cotidiano esse mistério é invisível. Mas que a sensibilidade se nos abra e elas abrirão em emoção inexplicável. E é desse mistério que eu falo para o tempo que passou. A `morte` terá uma ressonância identificável pelo que rodeou e condicionou e existiu em ritual e crenças. Mas o `pão`? Ou mesmo o `amor` se não foi uma invenção ocidental? Diz a palavra `pão` e tenta saber a névoa emotiva que a envolve. Símbolo do teu sustento, símbolo centralizador da tua mesa e a família à volta dela, calor do lar, paz doméstica, infância talvez, amor maternal, aroma a repouso, cheiro honesto, oblíquo sinal litúrgico e mais e mais. Tudo isso aflui indiscernivelmente à simples palavra `pão`. Que afluiria há dois, três séculos, há mil anos? E daqui aos mesmos tempos?

Toda a palavra é um repositório do que em nós ela foi despertando. E em cada dia a vamos ampliando ou reduzindo. Até que fique ininteligível e se recolha a um dicionário de arcaísmos. Mas a mais simples frase tem normalmente duas camadas de valores, a do quotidianismo asfaltado e a dos ecos aí inaudíveis e que uma atenção poética desperta. Com os da primeira comerciamos com homens da praça pública. Com os da segunda entendemo-nos com o que resta de Deus".


Fonte:

Ferreira, Vergílio (2001). Escrever. Edição de Helder Godinho. Bertrand Editora, Chiado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Achei que nao ia atualizar mais!!! beijos e saudades

ziza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ziza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ziza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Oi Ju, achei que ficaria ruim pra vc entrar. Como tá o trabalho em novas terras? Fiquei uma semana sem internet em casa. Entro melhor pra a gente colocar o papo em dia. Saudades! Bjo grande.